Treinamento funcional: funcional para que e para quem?





Olá, eu sou a Dani Souto. No texto de hoje, falaremos sobre: Treinamento funcional: funcional para que e para quem?


A prescrição de programas de condicionamento neuromuscular voltados ao desenvolvimento e manutenção das atividades da vida diária (AVD's) tem-se baseado na funcionalidade. A proposta de treinamento funcional carece de maior discussão acadêmica. O presente texto apresenta visão crítica sobre o treinamento funcional, as premissas, características e definições. A mera seleção de exercícios não torna um treinamento funcional, assim como não existem exercícios que possuam maior ou menor funcionalidade. Para um treinamento ser funcional, deve-se controlar e manipular as variáveis para que a prescrição contenha a dose adequada de exercício que o indivíduo deve realizar na unidade de treinamento. Ademais, um treinamento bem planejado e objetivo não depende de um nome, método, sistema, programa, exercício ou material.
Palavras-Chave: Educação física e treinamento; Atividade motora; Atividades cotidianas

Introdução
Surgiu uma nova metodologia de treinamento baseada na funcionalidade, que, primordialmente, inclui a seleção de atividades, exercícios e movimentosconsiderados funcionais1 , 2.Esta propostadeve ser compreendida sob a ótica do princípio da funcionalidade, o qual preconiza a realização de movimentos integrados emultiplanares. Esses movimentos implicam aceleração, estabilização (incrementando em alguns movimentos,elementos desestabilizadores) edesaceleração, com o objetivo de aprimorar a habilidade de movimento, força da região do tronco (CORE) eeficiência neuromuscular. Esta proposta éjustificadapela ampla possibilidade de aplicação e "transferência"dos efeitos deste tipo de treinamento para as "atividades da vida diária" (AVD) e "atividades naturais"3.
O American Collegeof Sport Medicine 4define o conceito de força funcional como "...o trabalho realizado contra uma resistência de tal forma que a força gerada beneficie diretamente a execução de atividades da vida diária (AVD) e movimentos associados ao esporte". Nesta conceituação, considera-se como funcional o treinamento de tal capacidade.
Os termos entre aspas: "transferência","atividades da vida diária ou cotidiana"e"atividades naturais"são termos que aparecem em grande parte dos textos postados em sites e blogsconsultados, os quais carecem derigor científico. Taisexpressões frequentemente são utilizadas fora do contexto cientifico e não sãoutilizadas em contexto aprofundado do conceito desta terminologia.
Objetivou-se discutir os conceitos associados ao treinamento funcional, contribuir para redefinição dos mesmos, assim como emitir uma opinião crítica sobre o estado da arte no que se refere a esta temática.

O termo "funcional"
O termo "funcional" pode ser entendido como:a)Referente à função ou ao desempenho desta; b) Concernente a funções orgânicas vitais ou à sua realização; c) Diz-se daquilo que é capaz de cumprir com eficiência seus fins utilitários;d)é utilizada também como adjetivo particular ou relativo àsfunções biológicas ou psíquicas. Ou seja, a aplicação correta do termo "funcional" deve estar associada ou se relacionar às funções do sistema psico-biológico humano, com eficácia e respeitando as funções citadas.
Todos os treinamentos, sem exceção, devem ter por objetivo o desenvolvimento de alguma variável de funcionalidade. O treinamento da variável funcional não depende de nenhum tipo de equipamento e ou determinado tipo de exercício (no entanto, parece que somente recebem o mérito de ser "funcional" o treinamento que apresentatais características).

Treinamento funcional
A prescrição de treinamento funcional deve fornecer a adequada "dose" de exercícios frente àspossibilidades de resposta ao estimulo e garantir adaptações ótimas em relação aos critérios de eficácia e funcionalidade.
Ao eleger determinado exercício, levando-se em consideração a perspectiva da funcionalidade, não significa que se realizou "treinamento funcional", porque está diante de aspectos distintos. Um treinamento para ser considerado funcional deve contemplar exercícios selecionados tendo como critério a sua funcionalidade e isto só é possível atendendo às cinco variáveis distintas da funcionalidade5: a) frequência adequada dos estímulos de treinamento; b) volume em cada uma das sessões; c) a intensidade adequada; d)densidade, ou seja, ótima relação entre duração do esforço e a pausa de recuperação); e) organizaçãometodológica das tarefas. O manejo adequado das variáveis supracitadaspermitirá uma eficaz consecução dosobjetivos pretendidos na melhora ou manutenção da capacidade funcional do sistema psico-biológico.
Mesmo de maneira simplista, pode-se dizer que exercício funcional não determina treinamento funcional por si só, mas treinamento funcional deve selecionar adequadamente os exercícios, atendendo à funcionalidade.A simples análise do termo permite considerar que frequentemente mascara-se o conceito de funcionalquando se estabelece uma filosofia de trabalho baseada em determinados métodos e tipos de exercícios.
Exemplificando o exposto acima: para um indivíduo destreinado, uma "dose" de treinamento inadequada (Exemplo: erros na relação volume X intensidade, algumas das variáveis abordadas anteriormente) ou uma eleição de exercícios com altos níveis de estabilização externa (proporcionada por diversos aparelhos de exercícios resistidos), poderá ser mais "funcional" que lhe propor determinadas tarefas motoras com alta demanda de estabilização interna ativa, inclusive através de implementos que produzam ou acrescentem instabilidade, como "bozu" ou "fitball" (comumente associados a este tipo de treinamento).
Um dos pressupostos associados ao conceito de treinamento funcional é a "transferência". A origem desta palavra é latina (ato de transferre, transferir), ou seja, ação ou efeito de transferir, que é o ato de passar ou levar algo de um lugar a outro.Considera-se que todo treinamentotem como objetivo único lograr omaiorefeito positivo sobre rendimento específico6 , 7,no caso do treinamento funcional efeitos sobre a saúde e qualidade de vida. Atransferênciaacontecerá quando se estimulam um ouváriosfatores dorendimento na atividade receptora da transferência (ângulos em que se aplica a força, tipo de ativação muscular, fase domovimento evelocidade), e isto ocorrerá no próprioexercício sem outras demandas8.
Quanto às propostas que defendem suposta transferência para as AVD, o que em tese não ocorre em programas de treinamento da força com utilização de uma exercitação mais analítica (a maioria dos aparelhos convencionais para exercícios resistidos), não parece existir produção científica consistente que aborde objetivamente os efeitos do treinamento com características funcionais para o desenvolvimento e melhora das diferentes características morfológicas, aptidão neuromuscular e status funcional.
Odesenvolvimento de exercícios integrados, variados, multiplanares, será sempre adequado se considerarmos os fatores de estímulo mínimoe por sua vez,as necessidades de repetiçãoesistematização, para produzir adaptações.Deve-se planejar e programar taisexercíciosatendendo aonível de carga (externa-interna) em relação aonível de rendimento do aluno e ao processo global de treinamento.Por outro lado, existem exercíciosque se baseiam emmovimentosque podemocasionardéficitsem aspectos básicos quantoà higiene postural. A escolha do exercício é vital,não se deve estabelecer por critério somente o foco em variáveis dasAVD's, mas é necessário cautela uma vez que algumas ações articulares oua combinação destas aumentam a probabilidade de lesões e desvios posturais1.
A proposta do treinamento funcional carece de critérios de aplicação e progressão baseada em fundamentos do treinamento desportivo.Além disso, não se tem ciência deuma abordagem que integreametodologiado treinamento funcional aostradicionais programas de condicionamento físico saudável. Esta ausência de sistematização pode levar o treinamento funcional a não ser tão eficaz quanto se proclama, colaborandopara expandir o conceito errôneo de exclusão eespecificidade desta metodologia e seus exercícios.
Outro aspecto que parece ser utilizado de modo superficial é o da "naturalidade", ou seja,que algumas tarefas motoras aplicadas a alguns indivíduos são mais"naturais"que outras, que parecem não possuir esta característica. Quando se busca definição do termo natural, encontra-se o seguinte conceito: "pertencente ou relativo à natureza conforme a qualidade e propriedade das coisas". Seguindo tal conceituação será mais natural o exercício que atenda às propriedades bio-psicológicas, em contrapartida, será menos natural aqueles que não o façam. Outro aspecto a ser considerado quanto à "naturalidade" está associado à"ausência de artifícios", ou seja, deveriam ser utilizados exercícios realizados sem implemento. Por fim, é comum afirmar que é mais natural aquilo que esteja ligado aos aspectos de vida do indivíduo.
Partindo da primeira acepção do termo natural e utilizando-a para caracterizar e fundamentar o treinamento funcional, considera-se esta abordagem adequada, uma vez que não se considera funcional aquilo que não atende à realidade bio-psicológica do indivíduo. Quanto ao uso de ferramentas e equipamentos auxiliares, recorre-se a uma avaliação mais pormenorizada antes de decidir pela utilização. Seria como pensar que ante uma enfermidade, a melhor situação seria não recorrer aos avanços da farmacologia e medicina, deixando a "natureza" agir. Não se poderia fazer esta opção antes de uma análise criteriosa. Por fim, nem sempre é necessário repetir aquilo que se faz na vida diária, pois, por exemplo, ao longo do dia,se passa várias horas sentado, o que não seria sensato.
Atualmente, muitos programas e exercícios são desenvolvidos embasados na premissa da funcionalidade, no entanto, a suposta transferência para as AVD's nem sequer foi analisada,seja em nível geral ou específico. Diante de tal fato,recomenda-serefletir como deve ser direcionado o foco do treinamento, uma vez que os avanços da sociedade moderna tendem a conduzir o indivíduo ao sedentarismo e hipocinesia, levando cada vez mais as pessoas a movimentos mais curtos, menos variados e menos frequentes.
Como ocorre no treinamento desportivo, se devem analisar exaustivamente as características das AVD's de um indivíduo, assim pode-se desenhar um programa de treinamento que potencialize as demandas do aluno e compense possíveis desajustes ocasionados.É importante ressaltar que as AVD's ocupam aproximadamente 1/3 do tempo diário, portanto, é fundamental que sejam dedicadas de 2 a 3 horas semanais, para que sejam transmitidas modificações positivas e controlados os hábitos negativos inerentes ao estilo de vida9 , 10 , 11.

Do treinamento funcional aos exercícios funcionais
É bastante comum na literatura especifica desta temática que os autores considerem treinamento funcional o uso de determinados grupos de exercício, com características bem definidas (como, por exemplo, os de estabilização), e materiais específicos (bozu, fitball), mesmo que estes procedimentos não contemplem as variáveis inerentes a este método. Nestas obras também são citados outros tipos e exemplos de exercício que possuem outras características e não usam equipamentos que são considerados não-funcionais. Temos que esclarecer inicialmente que existem diferenças quanto à situaçãoadequada para utilizar os termos em relação a um exercício, grupo de exercícios ou treinamento e sua funcionalidade.
Treinar pressupõe preparar e este termo é definido como prevenir ou dispor para alguma finalidade ou ação futura, em suma, executar as ações necessárias para a obtenção de um produto. Isto está mais ligado aos processos que organizam, estruturam e operam uma série de variáveis que acabam definindo uma dose de exercícios (prescrição), que ao mero fato de descrever uma série de exercícios sequenciados e muitas vezes com escasso critério em sua seleção e muito mais na própria definição da dose11.
O termo exercício deriva-se do latim "exercitium" que se define como: conjunto de movimentos corporais que se realizam para manter a forma física12. Portanto, qualquer movimento corporal pode ser considerado um exercício, desde que a seleção, variáveis de aplicação e realização (dose) estejam incorporados a um programa de treinamento que seja adequado o suficiente para manter ou adquirir aptidão física2.
Portanto, treinar compreende um processo que deve ser estruturado antes mesmo de iniciar a seleção e prescrição de exercícios. Devemos levar em consideração o componente de funcionalidade dos mesmos uma vez que a capacidade operativa é limitada (exercícios por sessão), a escolha deve pautar-se nos objetivos a alcançar. Neste sentido, afirma-se que não existe exercício funcional e não-funcional, pois, desde que seja assegurado os pressupostos de segurança e eficácia, todos exercícios poderão ser enquadrados em alguma fase do treinamento e gerar a adaptação desejada.

Recomendações finais
O planejamento e prescrição do treinamento deve seguir uma fundamentação.A este respeito existem diversas evidências cientificas algumas das quais publicadas nos últimos cinco anos. Para um treinamento ser funcional, devem-se cumprir os critérios debatidos neste texto. Ao longo do processo de periodização estabelecidorecomenda-se controlar e manipular as variáveis de forma que se concretize em uma prescrição que contenha a dose adequada de exercício que o indivíduo deve realizar na unidade de treinamento. Se o treinamento for realizado adequadamente, o estado psico-biológico será adequadamente estimulado, gerando respostas e adaptações positivas.
Agradecimentos
Os autores agradecem a Ivon Rocha e Guillermo Peña pelas contribuições que deram ao trabalho.

REFERÊNCIAS
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2. Heredia JR, Peña G, Moral S.Entrenamiento funcional en Sañudo.In: Nuevas orientaciones para una actividad física saludable en centros de fitness.Sevilla, Wanceulen; 2011. [ Links ]
3.Heredia JR, Isidro F, Chulvi I , Mata F. Guía de ejercicios de fitness muscular. Sevilla, Editorial Wanceulen; 2011. [ Links ]
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5.Heredia JR, Isidro F, Peña G, Mata F, Da Silva-Grigoletto ME.Criterios básicos para el diseño de programas de acondicionamiento neuromuscular saludable en centros de fitnessLectEducFís DeportesB. Aires 2012; 17(170): 1-1. [ Links ]
6.Platonov V. El entrenamiento deportivo, teoria, metodología. Barcelona:Paidotribo, 1988 [ Links ]
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9.Hyrsomallis C, Goodman C. A review of resisitance exercise and posture realignment. J Strength Cond Res 2001; 15(3):385-390. [ Links ]
10.Leclerc A, Chastang JF, Niedhammer I, Lander M-F, Roquelaure Y. Incidence of shoulder pain in repetitive work. Occup Environ Med 2004; 61(1):39-44. [ Links ]
11.Leijon O, Lindberg P, Josephson M, Wiktorin CH. Different working and living conditions and their associations with persistent neck/shoulder and/or low back pain disorders. OccupEnvironMed 2007; 64(2):115-121 [ Links ]
12.Ferreira ABH.Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Curitiba:Nova Fronteira, 2014. [ Links ]

Por:
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